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As indulgências hoje


O jornal A Gazeta, no dia 11 de março, publicou uma matéria sobre o decreto do bispo de Cachoeiro de Itapemirim que concede indulgências aos fiéis por ocasião do jubileu dos 50 anos da diocese. A reportagem, porém, apresenta uma série de erros básicos no que diz respeito à compreensão do que sejam, enfim, as indulgências.

O texto se inicia afirmando que indulgência é o “perdão pleno dos pecados, já cometidos e que estão por vir, nesta vida e após a morte”. Vamos por parte: indulgência não é sinônimo de perdão de pecados. O perdão não é parte da indulgência; esta é que é um complemento seu, porque é a liberação da pena devida pelos pecados já perdoados. Todo pecado gera uma culpa e uma conseqüência, assim como todo crime gera uma desordem e uma pena. Posso pessoalmente perdoar a quem bateu no meu carro, mas isso não o dispensa de pagar o conserto! Uma coisa é o perdão, relativo à culpa e à ofensa a Deus; outra coisa completamente diferente é liberar o penitente da pena que ele deveria pagar pelo pecado. Indulgência é isso! Outra coisa importante: as indulgências não são referentes aos pecados que estão por vir! Elas são parciais ou plenárias porque liberam total ou parcialmente da pena devida pelos pecados. O texto dá a impressão de que é possível cometer pecados numa outra vida. Isso já seria falar em reencarnação! Além do mais, as indulgências só liberam das penas relativas a pecados já confessados ao sacerdote; é claro que os pecados que ainda não foram cometidos não podem ter sido já absolvidos!

A seguir, a reportagem afirma que o decreto do bispo “lista uma série de obras a serem realizadas para obtenção do perdão”. Não! O perdão dos pecados é eminentemente gratuito e imerecido, obtido pelo sacrifício de Jesus Cristo, que redimiu de uma vez por todas a humanidade. Não há nada que alguém possa fazer de bom que lhe alcance o perdão dos pecados. O perdão é por pura graça! As obras exigidas pela Igreja são uma forma de administrar a concessão de indulgências. A autora da reportagem confunde o tempo todo indulgência com perdão. Mas são duas coisas bem distintas!

Ela ainda diz: “Até dezembro, católicos do mundo todo terão mais uma oportunidade de receber a indulgência. Mas a graça só será concedida a quem visitar o Santuário de Lourdes, na França”. Aqui já tratam como sinônimos as palavras “indulgência” e “graça”. Essa frase isolada é uma grande heresia: “a graça só será concedida a quem visitar...”. Graça é de graça, o nome já diz! A palavra “graça”, do grego cháris, significa a força salvadora que Deus liberou gratuitamente para a humanidade por meio de Jesus Cristo. Uma coisa é a graça, outra é o perdão e outra ainda é a indulgência.

“Para pastor, quase todas as religiões direcionam os fiéis para o pagamento de um preço a Deus. As indulgências, tema que causou a ruptura entre Lutero e a Igreja Católica, ainda são alvo de críticas dos evangélicos”. Lutero não protestou contra as indulgências em si, que são um aspecto da misericórdia de Deus. Ele protestou – e justamente – contra a venda de indulgências! A afirmação do pastor é descabida e preconceituosa, porque fala de algo fora do contexto, que nem ele compreendeu. Não se trata de preço nem de barganha! A própria palavra indulgência quer dizer o contrário de tudo isso: “qualidade de quem é pronto a perdoar, condescendente, complacente”.

Seria mais prático e fácil para a Igreja simplesmente deixar de falar de indulgência, já que é um assunto tão controverso. Mas a doutrina católica não existe para agradar o seu público e sim para comunicar a verdade. E as indulgências são uma dimensão da verdade sobre a redenção humana, afirmada desde os primeiros tempos do cristianismo. Se essa verdade não agrada às massas, isso só torna a Igreja mais semelhante ao seu Senhor, que morreu justamente por anunciar uma verdade criticada...

15 de março de 2008

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