Nunca sequer imaginamos que chegaríamos a viver um tempo como esse, de pandemia e distanciamento social, que exigisse uma mudança completa dos nossos hábitos e práticas sociais, tendo que inventar novas formas de "presença" em reuniões, aniversários e até celebrações religiosas. No entanto, ao mesmo tempo em que choramos as mais de 100 mil vidas perdidas para a Covid-19 no Brasil, precisamos olhar com criatividade para o desafio que temos à nossa frente.
Geralmente passamos a dar mais valor às coisas das quais sentimos falta. Assim, essa crise inevitável que atravessamos há de nos ensinar a distinguir o essencial do acessório em nossa rotina. Afinal, todos estamos economizando muito, consequência da impossibilidade de praticar o consumismo, dogma principal da "religião" do mercado. A verdade é que necessitamos de bem menos coisas do que supúnhamos necessitar. Estamos tendo que enxergar, à força, que a vida é bem mais simples do que fingíamos que ela fosse. É certo que a humanidade terá que encontrar soluções para o gravíssimo problema do desemprego que a diminuição do consumo de bens e serviços está causando; mas ela veio para ficar. Sabe-se ao certo que não haverá um retorno ao que era antes dessa pandemia. As mudanças estão sendo não algo de passageiro e pontual, como imaginávamos em março, mas tão profundas e estruturais, que não se poderá mais pensar a vida humana no século XXI prescindindo de tudo isso.
Uma das vantagens que estamos tirando dessas medidas restritivas é uma consciência bem maior da importância da internet em nosso dia a dia, transformando potencialmente cada smartphone em algo equivalente a uma emissora particular de rádio e TV e a um estúdio completo de fotografia, vídeo e áudio. Com isso, surge-nos um grande desafio: diante do aumento tão veloz e expressivo da quantidade de conteúdo à disposição de um clique, teremos que aprender a ser muito mais seletivos do que já fomos, porque uma vida inteira não será suficiente para ouvir todas as músicas e todos os podcasts, e assistir a todas as lives, filmes e tutoriais que temos disponíveis apenas em nossos contatos nas redes sociais, sem contar a insondável quantidade de outros tantos conteúdos circulando ininterruptamente na "nuvem".
Afinal, o que realmente vale o nosso tempo? O que agrega conhecimento e o que é inútil e mesmo prejudicial à nossa mente consumidora de bits? Qual a distinção entre o verdadeiro entretenimento saudável e a perturbadora distração? Saber dar o nome certo a essas coisas é fundamental para decidir que caminho seguir: o de uma vida intelectual, cultural e espiritual muito mais rica e dinâmica, ou o da hiperatividade, ansiedade crônica e dispersão fútil. É necessário um planejamento com foco aonde se pretende chegar, sob pena de se desperdiçar o que se tem descoberto de mais valioso na vida: tempo.