Lendo, dia desses, O retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, deparei-me com esta belíssima narrativa de uma das aventuras do vaidoso Dorian:
"Rumorejou-se uma vez que ia abraçar a religião católica romana; e sem dúvida, o ritual romano exerceu sempre sobre ele uma grande atração. O sacrifício quotidiano, mais terrível, com efeito, do que todos os sacrifícios do mundo antigo, emocionava-o profundamente, tanto pela sua soberba repulsão da evidência dos sentidos, como pela primitiva simplicidade dos seus elementos e pelo eterno pathos da tragédia humana que procurava simbolizar. Gostava de se ajoelhar no frio lajedo de mármore e de ver o sacerdote, nas suas vestes floridas, lentamente e com as mãos alvas, afastar o véu do tabernáculo ou erguer a custódia resplandecente de joias com aquela plácida hóstia que, às vezes, se julgaria ser, na verdade, o panis caelestis, o pão dos anjos, ou, revestido dos paramentos da Paixão de Cristo, partir a hóstia no cálice e bater o peito pelos seus pecados. Os fumegantes turíbulos, que os graves meninos, de rendas e vestes encarnadas, balouçavam no ar como enormes flores douradas, tinham para ele a sua sutil fascinação. Ao retirar-se, olhava admirado para os negros confessionários, e sentia ardente desejo de se sentar na penumbra de um deles e escutar os homens e as mulheres murmurarem através da grade já puída, a verdadeira história das suas vidas"... (do Capítulo XI; tradução de Januário Leite).
Oscar Wilde era um protestante irlandês que fez carreira em Oxford, na Inglaterra, onde conheceu o catolicismo a que se converteram ateus como Chesterton e protestantes como Newman, Hopkins e tantos outros. Wilde era homossexual, chegou a passar dois anos na cadeia por causa disso, que naquela época era considerado crime. Ele dizia: "Não sou católico; sou um violento papista". Converteu-se oficialmente apenas no leito de morte, em 1900, aos 46 anos de idade.
Ele, de fato, era fascinado pela liturgia católica, sua solenidade, sua beleza simples. Penso que devemos nos perguntar onde foram parar as experiências como essa em nossa liturgia: a sensação de se estar diante do mistério, a perplexidade de se estar lidando com o Absoluto, o Infinito, a própria Bontade, Verdade e Beleza, que é Deus mesmo. A Santa Missa não pode ser um ritual manipulado por modismos de momento ou instrumentalizado por boas intenções de "conscientização". A Missa nunca pode ser utilizada para outro fim - por mais nobre que seja - a não ser para a adoração da divindade.
Romano Guardini ensina, em seu clássico "O espírito da liturgia", que o culto cristão "não serve para nada", no sentido de ser mais da ordem da prazerosa ação de brincar diante de Deus do que da ordem intelectualista ou sensacionalista com fins outros que não Deus e Deus apenas. Precisamos, portanto, rever os muitos comentários, homenagens, avisos, entradas de símbolos etc. preparados para antes e durante nossas celebrações eucarísticas, que muitas vezes parecem esgotar toda a graça daquele encontro pessoal e comunitário com Deus, como se "só" o que vem prescrito no Missal não bastasse.
A necessidade da relação fé-e-vida, a partir do Vaticano II e das conferências episcopais latino-americanas, precisa ser melhor compreendida, porque nem tudo que se faz em nome dela cabe dentro de uma Missa. Às vezes parece que conseguiram transformar a Eucaristia numa espécie de praça pública onde tudo acontece: da sessão terapêutica ao "parabéns pra você", da apresentação da dancinha das crianças ao concerto do último rock da TV. Tudo isso é legítimo e às vezes até necessário pastoralmente, mas não pode querer competir com o mistério celebrado. Esqueceram que há vida fora da Missa! Por que não demarcar melhor os momentos e os espaços apropriados para cada coisa? Por exemplo, discursos e homenagens, sorteios de brindes, o momento da selfie, assinaturas de contrato, prestações de contas, apresentação musical de solista, coroação de imagem, bênção de rosas e não-sei-mais-o-que, nada disso cai bem dentro do espaço e do tempo reservados unicamente para o Sacrifício eucarístico; o mais adequado é rezar a "missa-só-missa" e fazer tudo isso depois da bênção final, de preferência num outro espaço, quando houver.
A palavra profano é formada por pro ("em frente") fanum ("templo"): o profano era simplesmente aquilo que acontecia na praça em frente ao templo. As mesmas pessoas que saíam do culto à divindade iam para a praça logo em frente participar dos jogos, do comércio etc. O profano não é o impuro ou o sacrílego, mas simplesmente o cotidiano, rotineiro, não sagrado. O que estão fazendo com a liturgia católica é exatamente trazer o profanum para dentro do templo. O que é isso senão "profanação" no sentido mais etimológico do termo? E ninguém me venha com o discurso de que, se o sacrifício de Jesus rasgou o véu do santuário, então acabou-se a separação entre sagrado e profano; pois o que esse dado bíblico significa é apenas que a mediação de Cristo "religou" o mundo a Deus anulando a necessidade da observância da Lei de Moisés.
Enfim, é por causa dessa falta de discernimento litúrgico que estamos assistindo à clara perda do sentido do sagrado em nossos templos. Muitos pensam que trazer todos esses "incrementos" para dentro da celebração vai torná-la mais dinâmica e atraente, mais viva, eficaz e participativa. Ledo engano! Acontece justamente o contrário: perdem-se o silêncio e a reverência devidos a um espaço sagrado, não se sente mais num lugar "separado" da rotina diária, a igreja é "mais do mesmo"; logo, se é assim, pra que perder tempo indo à missa dominical? Há quem alegue que a Missa cheia de bugingangas é "mais animada". A esses, minha objeção: animado é aquilo que tem mais anima, isto é, mais "alma". E o que estamos vendo na espetacularização da liturgia é justamente o contrário: há cada vez menos alma e mais dispersão.
"Rumorejou-se uma vez que ia abraçar a religião católica romana; e sem dúvida, o ritual romano exerceu sempre sobre ele uma grande atração. O sacrifício quotidiano, mais terrível, com efeito, do que todos os sacrifícios do mundo antigo, emocionava-o profundamente, tanto pela sua soberba repulsão da evidência dos sentidos, como pela primitiva simplicidade dos seus elementos e pelo eterno pathos da tragédia humana que procurava simbolizar. Gostava de se ajoelhar no frio lajedo de mármore e de ver o sacerdote, nas suas vestes floridas, lentamente e com as mãos alvas, afastar o véu do tabernáculo ou erguer a custódia resplandecente de joias com aquela plácida hóstia que, às vezes, se julgaria ser, na verdade, o panis caelestis, o pão dos anjos, ou, revestido dos paramentos da Paixão de Cristo, partir a hóstia no cálice e bater o peito pelos seus pecados. Os fumegantes turíbulos, que os graves meninos, de rendas e vestes encarnadas, balouçavam no ar como enormes flores douradas, tinham para ele a sua sutil fascinação. Ao retirar-se, olhava admirado para os negros confessionários, e sentia ardente desejo de se sentar na penumbra de um deles e escutar os homens e as mulheres murmurarem através da grade já puída, a verdadeira história das suas vidas"... (do Capítulo XI; tradução de Januário Leite).
Oscar Wilde era um protestante irlandês que fez carreira em Oxford, na Inglaterra, onde conheceu o catolicismo a que se converteram ateus como Chesterton e protestantes como Newman, Hopkins e tantos outros. Wilde era homossexual, chegou a passar dois anos na cadeia por causa disso, que naquela época era considerado crime. Ele dizia: "Não sou católico; sou um violento papista". Converteu-se oficialmente apenas no leito de morte, em 1900, aos 46 anos de idade.
Ele, de fato, era fascinado pela liturgia católica, sua solenidade, sua beleza simples. Penso que devemos nos perguntar onde foram parar as experiências como essa em nossa liturgia: a sensação de se estar diante do mistério, a perplexidade de se estar lidando com o Absoluto, o Infinito, a própria Bontade, Verdade e Beleza, que é Deus mesmo. A Santa Missa não pode ser um ritual manipulado por modismos de momento ou instrumentalizado por boas intenções de "conscientização". A Missa nunca pode ser utilizada para outro fim - por mais nobre que seja - a não ser para a adoração da divindade.
Romano Guardini ensina, em seu clássico "O espírito da liturgia", que o culto cristão "não serve para nada", no sentido de ser mais da ordem da prazerosa ação de brincar diante de Deus do que da ordem intelectualista ou sensacionalista com fins outros que não Deus e Deus apenas. Precisamos, portanto, rever os muitos comentários, homenagens, avisos, entradas de símbolos etc. preparados para antes e durante nossas celebrações eucarísticas, que muitas vezes parecem esgotar toda a graça daquele encontro pessoal e comunitário com Deus, como se "só" o que vem prescrito no Missal não bastasse.
A necessidade da relação fé-e-vida, a partir do Vaticano II e das conferências episcopais latino-americanas, precisa ser melhor compreendida, porque nem tudo que se faz em nome dela cabe dentro de uma Missa. Às vezes parece que conseguiram transformar a Eucaristia numa espécie de praça pública onde tudo acontece: da sessão terapêutica ao "parabéns pra você", da apresentação da dancinha das crianças ao concerto do último rock da TV. Tudo isso é legítimo e às vezes até necessário pastoralmente, mas não pode querer competir com o mistério celebrado. Esqueceram que há vida fora da Missa! Por que não demarcar melhor os momentos e os espaços apropriados para cada coisa? Por exemplo, discursos e homenagens, sorteios de brindes, o momento da selfie, assinaturas de contrato, prestações de contas, apresentação musical de solista, coroação de imagem, bênção de rosas e não-sei-mais-o-que, nada disso cai bem dentro do espaço e do tempo reservados unicamente para o Sacrifício eucarístico; o mais adequado é rezar a "missa-só-missa" e fazer tudo isso depois da bênção final, de preferência num outro espaço, quando houver.
A palavra profano é formada por pro ("em frente") fanum ("templo"): o profano era simplesmente aquilo que acontecia na praça em frente ao templo. As mesmas pessoas que saíam do culto à divindade iam para a praça logo em frente participar dos jogos, do comércio etc. O profano não é o impuro ou o sacrílego, mas simplesmente o cotidiano, rotineiro, não sagrado. O que estão fazendo com a liturgia católica é exatamente trazer o profanum para dentro do templo. O que é isso senão "profanação" no sentido mais etimológico do termo? E ninguém me venha com o discurso de que, se o sacrifício de Jesus rasgou o véu do santuário, então acabou-se a separação entre sagrado e profano; pois o que esse dado bíblico significa é apenas que a mediação de Cristo "religou" o mundo a Deus anulando a necessidade da observância da Lei de Moisés.
Enfim, é por causa dessa falta de discernimento litúrgico que estamos assistindo à clara perda do sentido do sagrado em nossos templos. Muitos pensam que trazer todos esses "incrementos" para dentro da celebração vai torná-la mais dinâmica e atraente, mais viva, eficaz e participativa. Ledo engano! Acontece justamente o contrário: perdem-se o silêncio e a reverência devidos a um espaço sagrado, não se sente mais num lugar "separado" da rotina diária, a igreja é "mais do mesmo"; logo, se é assim, pra que perder tempo indo à missa dominical? Há quem alegue que a Missa cheia de bugingangas é "mais animada". A esses, minha objeção: animado é aquilo que tem mais anima, isto é, mais "alma". E o que estamos vendo na espetacularização da liturgia é justamente o contrário: há cada vez menos alma e mais dispersão.